sexta-feira, 28 de outubro de 2011

bataille e os seus três olhos



Ontem me vieram à cabeça duas perguntas, após uma semana repleta de discussões instigantes com uma amiga fotógrafa e pesquisadora Raquel Moliterno e com leituras pertinentes à história, sociologia, antropologia... Todas estas áreas relacionadas à fotografia. Também após encontrar bons, às vezes inúteis, felizes ou infelizes comentários sobre a fotografia e seu uso como instrumento de ego e não de pacificação e discussão construtiva das idéias. Enfim...

São as perguntas:
o que a fotografia NÃO É?
e o que a fotografia NÃO DEVERIA SER?

Ela pode ser para muitos, ainda registro do real, obra de arte, instrumento de pesquisa, recorte de um plano, de uma idéia, testemunho, objeto de fazer e fixar memória e - por que não de ativistas??... Inspiradora de conceitos, de imaginação, de contação de histórias!!! Ah!! Vocês melhores do que eu podem atribuir várias afirmações a respeito da fotografia, sobre o que ela é. Mas sobre o que ela NÃO DEVE SER é uma conversa mais complicada que podemos tecer aqui...

E porque ela NÃO DEVERIA SER tal coisa é melhor ainda... E para que ELA NÃO SERVE então?

É um fetiche o uso da fotografia e disso não se pode escapar também. Ela pode mudar comportamentos ou inspirar uma transição de pensamento importantes na história de uma época ou de um grupo.

Seguindo esta premissa, descubro que uma das maiores provas dessa motivação pela imagem fotográfica foi o escritor Georges Bataille. Ainda timidamente e muito timidamente tenho adentrado no universo teórico e vale salientar explêndido da sua obra. Maria Victoria Gaburro de Zorzi e Júlia Vilaça Goyatá, alunas da pós em Antropologia tem sido responsáveis fundamentais por esta minha ainda introdutória inserção na obra deste francês tão polêmico quanto grandioso.

Basicamente encontrei Bataille na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP no Grupo de Pesquisa de Pós-Graduação da Antropologia sobre Formas Expressivas coordenado pela professora Fernanda Arêas Peixoto. Aliás, uma semana antes, Bataille me veio a partir da visualização da capa de sua obra  reeditada em 2003 no Brasil pela Cosac Naify intitulada "A História do Olho". Vale ler comentário sobre um trecho do livro no blog Ponto de Vista - nesta reedição (sua primeira edição foi a de 1928) a obra conta com ensaios de Roland Barthes, do grande inspirador de Bataille, o etnólogo e também escritor Michel Leiris e de Julio Cortázar.

A relação de Bataille com o bizarro, com o voyeur, com o inusitado, com o fetiche e tudo isso embutido no seu pensamento sobre corpo, vida, morte, sexo e erótico é recorrente em sua obra conjunta. Ele foi arquivista da Biblioteca Nacional da França. Inspirado pelo seu terapeuta resolveu se dedicar à temática das extravagâncias sexuais e pelo êxtase a fim de exorcizar - segundo literatura afirma - suas tormentas psíquicas.

Mas o que me chamou mais a atenção sobre o porque desta dita inspiração de Bataille foi um artigo - excelente - publicado em 2001 pela Revista de Cultura Cearense/ Paulistana Agulha pelo filósofo Luiz Augusto Contador Borges. Vale salientar que Contador tem sido orientado no doutorado da filosofia da USP estudando a temática de Bataille pelo professor Leon Kossovitch: "Lógica da transgressão: Erotismo e Linguagem em Georges Bataille".

Neste artigo "Georges Bataille: Imagens do Êxtase" de Contador ele afirma a influência enorme no início da vida profissional de Bataille por um conjunto de fotografias realizadas durante um ato de esquartejamento de um homem na China Imperial em 1905, acusado de ter matado um príncipe.


"Dois franceses assistiram à execução e a documentaram. Um deles, Georges Dumas, publicou uma das fotos em 1923, em seu Tratado de psicologia. Dumas intrigara Bataille observando que, por piores que fossem o meticuloso trabalho do carrasco e as dores da vítima, o que se via em seus olhos revoltos era uma expressão de êxtase. É bem verdade que o supliciado encontrava-se sob efeito de injeções de ópio, não para mitigar seu sofrimento, como se poderia supor, mas para prolongá-lo ainda mais. O enigma estava criado."

Na execução do chinês Fou Tchou Li e seu "Suplício dos Cem Pedaços" o sorriso visto no rosto dele é absurdamente intrigante. Ao documentar o ato visto por tantos espectadores, o psicólogo francês George Dumas fica atordoado com o acusado impávido diante do corte de seu próprio corpo e do prolongamento de sua condição de estar entre a vida e a morte, sendo tratado sadicamente por seus algozes.

Bataille ganhou algumas desssas fotos e só foi divulgá-la um ano antes de sua morte, em 1962. Segundo novas descobertas e estudos, estas fotografias influênciaram demasiadamente a sua obra, sempre permeada pelo êxtase e pelo questionamento do mundo ocidental e numa perspectiva que pode ser tratada como ativista de seu pensamento de esquerda e à margem da sociedade. Sua literatura foi muitas vezes considerada como suja pelo meio. Felizmente redescobrem Bataille. E quantos olhos ele tem!!!

E como tem-se visto muitas vezes na construção teórica de muitos pensadores sociais, literatas, antropólogos, historiadores, a imagem fotográfica tem sido crucial formadora, instrumental e motivacional do pensamento de muitos destes.

Segundo Contador, Bataille diz: "É preciso ser Deus para morrer". Ao se fazer um "recorte" do que vemos, ao contar uma história ou interpretarmos algo ou ainda criarmos um cenário por meio da fotografia nosso fetiche diante das coisas do mundo pode ser facilmente considerado como um ato de morte, mas também como contraponto e ou complemento, de glória. É uma transição entre o fálico, o atirar, o matar e o prazer de ver aquele momento, aquela situação, recortada, reelaborada.

Era necessário para Dumas documentar o esquartejamento? Um ato de prazer e de revolta ao ver alguém com tanta dor sorrir? Mesmo com fins psicanalísicos, expressão desafiadora do chinês chocou e parece ter instigado uma "necessidade" de documentação por parte de Dumas... Mas estas foram muito diferentes das imagens veiculadas hoje em dia em jornais e na tv? E este prazer na dor dos outros - já dizia Suzan Sontag - e Barthes em seu maravilhoso - na minha opinião um dos seus melhores livros "Mitologias" -, ao dialogar em um de seus capítulos a respeito da "luta de boxe" e o voyeur de seus espectadores?

Que ato fotográfico é este que suscita tantas formas e tantos outros atos subsequentes e comportamentais?

Em tempo... Vale lembrar que a primeira obra lançada por Bataille se chamava "Anus Solaires". Isso mesmo!!! E tinha a mesma temática erótica/ etnográfica do "História do Olho". Este anterior, não possui tradução em português.

6 comentários:

Frido Claudino disse...

Há uma versão em português do "Ânus Solar" editada pela Hiena Editora de Lisboa em 1985. E outra mais recente intitulada "Ânus Solar: e outros textos do Sol" editado também em Portugal em 2007 pela Assírio & Alvim. Um dos textos de abertura do livro é "O coito é a paródia do crime" que está presente também em outras coletâneas como "Ex-libris eróticos" da Editora Fenda(1985) também de Portugal. Vale a pena a leitura.

Anônimo disse...

Ô Frido!! Que ótima informação e correção!! Origadíssima por acrescentar e corrijir! Até então não sabia da tradução do Anus Solaires em português!! Vou acrescentar aqui no post. Obrigada mesmo!! E você?? Que andas fazendo?? Grande abraço. Lu.

Frido Claudino disse...

nesse exato momento estou tentando escrever um texto sobre psicanálise e fotografia para a minha dissertação. sorte na leitura de Bataille. beijão...

Anônimo disse...

Muito bom!! Depois vamos trocar figurinhas?? Aquela história de você no blog quero ainda e você estaria a fim de falar um pouco do seu trabalho aqui? Bjs e sorte aí também e obrigadíssima novamente pela informação! Bjs. Lu.

Toni Pires disse...

Lú, ta bárbaro teu blog. Parabéns!
Adorando teus textos. E obrigado pelo carinho em colocar o meu blog na sua lista. Fiquei super feliz e honrado.
beijos!!!

Anônimo disse...

Ei querido Toni!! Obrigada demais por você comentar e prestigiar! A intenção de verdade é dividir, aprender com vocês, nas críticas, nas informações e nutrir um tipo de documento virtual pra gente mesmo se utilizar dele para pesquisas, discussões, reelaborações de nossos conceitos e fotografia. E para mim é que é uma honra por o seu blog na minha lista! Pode ter certeza! Grande beijo e abraço!